2010/08/18

Ação contra o Ensino Religioso Confessional


Noticiado no site: http://www.fonaper.com.br/noticia.php?ger=1&id=1019 Quarta, 11 de Agosto de 2010 - 10:22hs

No dia 05 de agosto de 2010 (quinta-feira), a Procuradora Deborah Duprat, da Procuradoria Geral da República, propôs uma AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de medida cautelar, a fim de que o Supremo Tribunal Federal realize a interpretação conforme a constituição do art. 33, caput e §§ 1° e 2° da Lei n° 9.394/1996, para assentar que o Ensino Religioso em escolas públicas só pode ser de natureza não-confessional, com proibição de admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religosas.
Ao mesmo tempo, solicita que o Supremo profira decisão de interpretação conforme a redação do artigo 11, § 1°, do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República através do Decreto n° 7.107/2010, para assentar que o ensino religioso em escolas públicas só pode ser de natureza não-confessional ou que seja declarada a insconstitucionalidade do trecho ”católica e de outras confissões religiosas”, constante no referido Acordo.
A procuradora Deborah Duprat defende que o Estado é laico e, portanto, não deve oferecer ensino religioso confessional nas escolas públicas. "A escola pública não é lugar para o ensino confessional, pois este tem por propósito inculcar nos alunos princípios e valores religiosos partilhados pela maioria", diz a ação.
A Procuradoria Geral da República admite o estudo das religiões desde que seja sob a perspectiva histórica e comandada por professores, "sem qualquer tomada de partido" e sem a participação de pessoas vinculadas a igrejas.
Esta AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE foi ao encontro de todo o movimento coordenado pelo FONAPER contrário à aprovação do Art. 11 do Acordo Brasil Santa Sé, realizado em 2009.
Para o FONAPER, a redação do Art. 11 do Acordo Brasil-Santa Sé propõe uma outra redação à Lei nº. 9.475, (artigo 33 da LDBEN 9.394/1996), sancionada em 1997, cujo conteúdo sugere e encaminha uma outra concepção de Ensino Religioso, e conseqüente organização curricular.
O caput do Art. 33 da Lei nº. 9.475/1997, não orienta que o Ensino Religioso seja de uma e outra denominação religiosa. Em princípio, enquanto componente curricular, o Ensino Religioso deve atender à função social da escola, em consonância com a legislação do Estado Republicano Brasileiro, respeitando, acolhendo e valorizando as diferentes manifestações do fenômeno religioso no contexto escolar, a partir de uma abordagem pedagógica que estuda, pesquisa e reflete a diversidade cultural-religiosa brasileira, vedadas quaisquer formas de proselitismos.
O Art. 11 do Acordo, ao preconizar um Ensino Religioso “católico e de outras confissões religiosas”, encaminha uma outra concepção para esta disciplina, ao propor segmentar, ou seja, disciplinar por confissões religiosas, limita sua abordagem a cada perspectiva religiosa, o que conota confessionalidade.
Um Ensino Religioso, ao ser caracterizado como sendo de uma única confissão religiosa, assume a tarefa de transmitir conhecimentos de determinada confissão, atividade de responsabilidade das respectivas confissões, nos seus espaços específicos de culto e estudo, uma vez que esta visa à formação da pessoa a partir de uma concepção religiosa particular (Ensino Religioso Confessional).
O FONAPER compreende que o Estado deve promover e respeitar a diversidade cultural religiosa, que transita no cotidiano escolar, permitindo que todos os educandos tenham acesso ao conjunto dos conhecimentos religiosos, que integram o substrato das culturas, vedadas quaisquer formas de proselitismo garantindo a liberdade religiosa dos cidadãos e assumindo o compromisso da construção de uma escola, que proporcione a inclusão de todos, pelo acesso e pela valorização dos conhecimentos de todas as culturas e tradições religiosas, para e com todos.
Acesse o conteúdo do pedido de AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE , clicando aqui.

1º Encontro Brasileiro de Universitários Cristãos

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Recomendação: "Eleições 2010: O chão e o horizonte"



Eleições 2010: O chão e o horizonte
Subsídio pastoral de reflexão e formação política para os cristãos brasileiros, tendo em vista o processo eletivo. Seguindo as diretrizes pastorais da CNBB, de modo simples, direto e consistente, este subsídio, por meio do método ver-julgar-agir propõe luzes para que os cristãos sejam protagonistas de uma nova ordem social.

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2010/08/04

Tolos e Tolices - o Besteirol na Análise de Tomás de Aquino


Tolos e Tolices - o Besteirol na Análise de Tomás de Aquino
L. Jean Lauand
Universidade de São Paulo
jeanlaua@usp.br

Há um número infinito de imbecis. Esta verdade, que é confirmada pela autoridade de Deus (como se fosse necessária a revelação do óbvio...), é citada mais de vinte vezes por Tomás de Aquino, que a lê em Ecle 1, 15: "stultorum infinitus est numerus", sentença de Salomão, proferida em um momento de veemente desabafo e sob os efeitos do vinho (2, 3). Os néscios - diz, por sua vez, o salmo (118, 12) - "me rodeiam como vespas".
Os tolos não só são infinitos, mas também apresentam-se sob diversas espécies: umas mais brandas; outras, mais graves; há tolices inocentes; outras são grave pecado etc... Ao longo de toda a obra do Aquinate
[1] , encontramos toda uma tipologia de tolos: asyneti, cataplex, credulus, fatuus, grossus, hebes, idiota, imbecillis, inanis, incrassatus, inexpertus, insensatus, insipiens, nescius, rusticus, stolidus, stultus, stupidus, tardus, turpis, vacuus e vecors.
Neste artigo examinaremos brevemente - em forma de pequenas notas - esses vinte e tantos tipos de imbecis apresentados por Tomás, algumas das causas, efeitos e os remédios - quando há remédio... - que ele aponta para as tolices.
Para começar, Tomás vale-se de comparações com animais. Se em espanhol "asno" designa pessoa rude e de pouca cabeça e, em português, "burro" é a primeira palavra para designar a fraca inteligência, Tomás, em vinte vezes, compara o insipiente ao jumento: porque os animais agem movidos pela paixão (o cachorro que se irrita começa a latir; o cavalo, quando tem um desejo, relincha etc.
[2] ). E o insipiente, que abdica da razão (de sua honra, que é a razão, como repete Tomás), se reduz a um asno ou jumento:
"Cum esset praeditus lumine rationis, sicut homo in honore constitutus, noluit illo lumine regi, assimilatus est jumentis insipientibus, et ideo facit sicut jumenta..." (In Ps. 48, 10).
É comparado ao asno, porque o asno é asno, animal estulto:
"Quia asinus est animal stultum, unde dicitur asinus, idest insensatus. Sic homo insensatus..." (Super Ev. Matt. cp 21 lc 1).
"Comparatus est iumentis insipientibus, et similis factus est illis etc. et alibi Ps. 31, 9: nolite fieri sicut equus et mulus, in quibus non est intellectus" (Super Ev. Matt. cp 10 lc 2).
E, como veremos, o tolo stolidus, é equiparado à ovelha.
O problema da tolice recai sempre no bom juízo sobre a realidade e principalmente sobre os agibilia. Se sensatus é o homem razoável, com bom senso, que sabe discernir e decidir bem sobre as ações particulares; os insensati ou asyneti carecem do devido senso para essas ações (Tomás agudamente faz notar que não se pode dizer que crianças sejam insensatas, mas só adultos).
"Insensatus autem proprie dicitur qui sensu caret" (Super ad Gal. cp3 lc 1).
"Unde secundum synesim dicuntur in graeco aliqui syneti, idest sensati, vel eusyneti, idest homines boni sensus, sicut e contrario qui carent hac virtute dicuntur asyneti, idest insensati (II-II, 51, 3, c).
"Dicitur enim aliquis insensatus, si in aetate perfecta discretione careat, non autem in puerili aetate" (In Met. X, 6, 20).
Uma primeira característica de diversas formas de tolice é a parálise. É o que acontece por exemplo com o stupidus (que, às vezes, Tomás designa por cataplex -"cataplex, id est stupidus" Sent. Libri Ethic. II, l. 9, 11), que recebe este nome precisamente por conta de uma parálise que lhe sobrevém por stupor.
O estupor é diferente da admiração: se esta é una atitude positiva que acaba por convocar a reflexão; aquela, impede-a:
"Admirans refugit in praesenti dare iudicium de eo quod miratur, timens defectum, sed in futurum inquirit. Stupens autem timet et in praesenti iudicare, et in futuro inquirere. Unde admiratio est principium philosophandi, sed stupor est philosophicae considerationis impedimentum" (I-II, 41, 4 ad 5).
A parálise é comum a outros tipos de tolos: acomete também ao torpe, daí que já Isidoro de Sevilha aponte a curiosa etimologia do nome do peixe torpedo, que entorpece os membros de quem o toca (Etym. XII, 6, 45).
Tomás inclui o estulto entre os paralisados e citando Isidoro, faz derivar o próprio nome stultitia de stupor:
"Nomen stultitiae a stupore videtur esse sumptum, unde Isidorus dicit, in libro Etymol., stultus est qui propter stuporem non movetur" (II-II, 46, 1 c).
Além da parálise, outro fator importante na caracterização dos tolos está na (falta de) sensibilidade: nesse mesmo artigo, distinguindo entre estulto e fátuo, Tomás diz que a estultícia comporta embotamento do coração e obtusidade da inteligência ("stultitia importat hebetudinem cordis et obtusionem sensuum").
A fatuidade é a total ausência de juízo (o estulto tem juízo, mas o tem embotado...). Daí que a estultícia seja contrária à sensibilidade do homem que sabe: o sábio (sapiens) se chama sábio por saber (/sabor): assim como o gosto distingue os sabores, o sábio distingue e saboreia as coisas e suas causas: à obtusidade se opõe a sutileza e a perspicácia de quem sabe:
"Fatuus caret sensu iudicandi; stultus autem habet, sed hebetatum; sapiens autem subtilem ac perspicacem" (II-II, 46, 1, c).
A metáfora do gosto, da sensibilidade no gosto como paradigma para quem sabe saborear a realidade, encerra em si uma das principais teses de Tomás sobre a tolice. No começo da I-II, por exemplo, discutindo qual é o fim último do homem, considera a objeção de que a felicidade estaria no dinheiro, pois essa é a opinião comum... E responde: "'Tudo se submete ao dinheiro' é o que afirma a multidão de estultos que só sabem de bens corporais, que o dinheiro pode comprar. Mas o juízo sobre o bem humano não o devemos tomar dos estultos mas dos sábios, assim como em coisas de sabor perguntamos a aqueles que têm paladar sensível" (I-II, 2, 1, ad 1)
[3] .
Trata-se sempre de uma percepção da realidade: aquilo que, na realidade, é doce ou amargo, parece tal como é - doce ou amargo - para aqueles que possuem a conveniente disposição de gosto, mas não para aqueles que têm o gosto deteriorado. Cada um se deleita naquilo que ama: para os que padecem de febre e têm o gosto corrompido não parecem doces coisas que, de fato, o são...
"Similiter etiam amara et dulcia secundum veritatem videntur illis qui habent gustum bene dispositum, et calida his qui habent tactum bene dispositum, et gravia bene diiudicant illi, qui habent virtutem corporalem bene dispositam. His enim qui sunt debiles etiam levia videntur gravia". (Sent. Libri Et. III, 10, 6).
Tomás - quando busca caracterizar o estulto - a estultícia como o oposto da sabedoria - refere-se propriamente à incapacidade de estabelecer conexão entre meios e fins:
"In rationali vero respectu finis, stultitia, ut non afficiatur aliquis debite ad finem, et contra hanc est sapientia" (In III Sent. d 34 q 1 a 2 c).
"Et ideo Gregorius sapientiam contra stultitiam ponit; quae importat errorem circa finem intentum" (In III Sent. d 35 q 2 a 1 c).
E mais: o agir do estulto segue seu falso juízo, que tem por bom o que não é bom:
"Quia rectum iudicium habet de omnibus, quia circa unumquodque recte dispositus est, sicut qui sanum gustum habet, recte iudicat de sapore; solus autem spiritualis bene dispositus est circa agenda; et ideo ipse solus de eis bene iudicat" (Super ad Gal. cp 6 lc 1).
Tomás distingue entre a estultícia especulativa e a prática: há pessoas de inteligência muito limitada mas que sabem agir bem; e há pessoas inteligentíssimas que são estultas em seu agir:
"Peccatum dicitur tenebra, quia intellectus obtunditur. Contra, multi peccatores inveniuntur qui habent optimum intellectum ad capiendum. Et dicendum, quod loquitur de obtusione intellectus practici, secundum quod omnis malus est ignorans; et non de obtusione intellectus speculativi". (In IV Sent. d 18 q 2 ar5 cex)
Em outra passagem, Tomás, sempre atento à linguagem, distingue entre o estulto, que não ascende a conhecimentos superiores; o insipiente, que não saboreia sua doçura, e o vecors, a quem falta coração para tomar decisões:
"Stultus, quantum ad cognitionem divinorum, insipientes, quantum ad experientiam dulcedinis ipsorum; vecordes, quia sine corde quantum ad electionem agibilium" (In Hier. cp 4 lc 7).
E indica outra distinção entre o insipiente e o estulto: o insipiente pode ter conhecimentos terrenos mas não os eternos, enquanto o estulto carece até dos conhecimentos terrenos:
"Differentia est inter insipientem et stultum. Insipiens est qui habet scientiam humanam, et non considerat aeterna; stultus est qui non considerat etiam praesentia. Vel insipiens est qui non attendit mala praesentia, sed futura; stultus est qui attendit et non vitat; unde dicit, simul insipiens et stultus peribunt" (In Ps 48, 4).
Outra característica do insipiente é a de pensar que todos são como ele: "cum ipse sit insipiens, omnes stultos aestimat" (II-II, 60, 3). E Tomás, considerando a etimologia, faz notar que o insipiente é in-sapiente, o não-sábio, que não saboreia a sabedoria divina:
"Unde cum contradicat sapientiae divinae, vocat eam insipientem. Quasi dicat: insipiens..." (Super I ad Cor. XI-XVI cp15 lc5).
E
"Vir insipiens contemnit cognitionem divinorum" (In Ps 52, 1).
Outra constante em diversos tipos de tolos é a obtusidade, que se opõe à agudeza; o agudo penetra na realidade: daí que se fale de "sentidos agudos" e "inteligência aguda", que penetra até o intímo da realidade e, no extremo oposto, está o hebes:
"Hebes acuto opponitur. acutum autem dicitur aliquid ex hoc quod est penetrativum. unde et hebes dicitur aliquid ex hoc quod est obtusum, penetrare non valens. Sensus autem corporalis per quandam similitudinem penetrare dicitur medium inquantum ex aliqua distantia suum obiectum percipit; vel inquantum potest quasi penetrando intima rei percipere. Unde in corporalibus dicitur aliquis esse acuti sensus qui potest percipere sensibile aliquod ex remotis, vel videndo vel audiendo vel olfaciendo; et e contrario dicitur sensu hebetari qui non percipit nisi ex propinquo et magna sensibilia. Ad similitudinem autem corporalis sensus dicitur etiam circa intelligentiam esse aliquis sensus" (II-II 15, 2, c).
A obtusidade pode ser pecaminosa, culpável.
"Et ratio huius est, quia obtusi sunt sensus eorum, id est ratio eorum hebes est, et sensus eorum imbecilles et obtusi sunt, nec possunt videre claritatem divini luminis, id est divinae veritatis, absque velamine figurarum. et huius ratio est quia claudunt oculos, ut non videant, quia velum templi scissum est. et ideo est ex eorum culpa infidelitatis, non ex defectu veri-tatis, quia, remoto velamine, omnibus aperientibus oculos mentis per fidem clarissime veritas manifestatur" (Super II ad Cor cp 3 lc 3).
E
"Augustinus dicit in IV Musicae, quod anima per peccatum facta est imbecillior. Diminui-tur ergo bonum naturae in ipsa per peccatum" (De malo q. 2, a. 11, sc3).
Daí também os erros crassos, gordos, grosseiros e as metáforas da grossura do intelecto ou do coração: incrassatus.
"Ideo cor populi huius, idest mens, incras-satum est, idest excaecatum. Quare? Quia sicut ad visionem corporalem puritas requiritur, sic ad spiritualem. unde intellectus dici-tur vis superior, quoniam maxime spiritualis. incrassatur intellectus, quando applicatur grossis et terrenis" (Super Ev. Matt. cp 13 lc 1).
Falta sensibilidade também ao stolidus, incapaz de relacionar causa e efeito:
"Designatur enim per hoc maxime hominis stoliditas, quod tam manifesta Dei signa non percipit; sicut stolidus reputaretur qui, hominem videns, eum habere animam non comprehenderet" (CG III, 38, 5).
E é comparado à ovelha:
"Per ovem, quae est animal stultum, significatur hominis stoliditas..." (Super Ev. Io. cp 2 lc 2).
E - seguindo Aristóteles - afirma que os stolidi por excelência são os celtas:
"Potest autem dici insanus, sicut dicitur de celtis qui sunt stolidi" (Tab. L. Eth. cp t).
Entre as causas morais da percepcão da realidade, destaca-se a boa vontade, que é como uma luz; enquanto a má vontade faz mergulhar nas trevas do preconceito:
"Responderunt ergo discipuli: et nos homines fuimus, rustici et obscuri in plebe; vos sacerdotes et scribae: sed in nobis bona voluntas facta est quasi lucerna rusticitatis nostrae; in vobis autem malitia facta est quasi caligo scientiae vestrae" (Catena Aurea in Mt cp 19, lc 7).
Outro ponto importante na análise dos tolos é o de que há - e é um fato evidente - graus de inteligência (e de tolice...): o rústico não pode ser comparado ao sutil filósofo:
"Adhuc ex intellectuum gradibus idem facile est videre. Duorum enim quorum unus alio rem aliquam intellectu subtilius intuetur, ille cuius intellectus est elevatior, multa intelligit quae alius omnino capere non potest: sicut patet in rustico, qui nullo modo philosophiae subtiles considerationes capere potest" (CG 1, 3, 5).
E aí encontramos outro tipo: o idiota. Sempre atento às origens dos nomes, Tomás faz notar que idiota, propiamente, significa aquele que só conhece sua língua materna:
"Idiota proprie dicitur qui scit tantum linguam in qua natus est" (Super I ad Cor. 11-16, 14, 3).
Mas o sentido se estende: trata-se principalmente do cultivo da inteligência. Tolo que é tolo por falta de cultivo é idiota. Assim, no texto citado da Contra Gentiles, Tomás confronta o "intellectus optimi philosophi" al "intellectus rudissimi idiotae" e afirma que o idiota toma por falso o que ele não pode compreender. É em geral o inexpertus ("non habens scientiam acquisitam") como aquele escravo ignorante do Menon de Platão (I, 84, 3, 3).
Tomás fala até da contraposição entre atletas instruídos e idiotas, isto é, rudes sem experiência:
"Et simile est de athletis, idest pugilibus fortibus et instructis cum idiotis, idest rusticis inexpertis" (Sent. Libri Ethic. III, 16, 11).
O rústico se espanta com tudo (o que - por exemplo, um eclipse - para outros é bem conhecido e não desperta admiração):
"Potest autem causa effectus alicuius apparentis alicui esse nota, quae tamen est aliis incognita. Unde aliquid est mirum uni, quod non est mirum aliis; sicut eclipsim solis miratur rusticus, non autem astrologus" (I, 105, 7).
Imbecillis diz respeito ao fraco em geral (na moral, no ânimo, na fé etc.) e não especialmente ao âmbito intelectual. Em todo caso, Tomás fala de imbecillitas intellectus, imbecillitas sensus e de imbecillitas mentis. Refere-se assim aos tardos em compreender:
"Ipsorum tarditatem ad ea capienda, ibi quoniam imbecilles" (Super ad Hebr. cp 5 lc 2)
E à dificuldade de apreensão intelectual direta, sem comparações:
"Et ratio huius est, quia obtusi sunt sensus eorum, id est ratio eorum hebes est, et sensus eorum imbecilles et obtusi sunt, nec possunt videre claritatem divini luminis, id est divinae veritatis, absque velamine figurarum" (Super II ad Cor. cp 3 lc 3).
Próprio do imbecil é também não superar o nível primário de inteligência, não superar o âmbito do sensível, como no caso do politeísmo:
"Primum est imbecillitas intellectus humani. Nam homines imbecillis intellectus non valentes corporalia transcendere, non crediderunt aliquid esse ultra naturam corporum sensibilium; et ideo inter corpora illa posuerunt praeeminere et disponere mundum, quae pulchriora et digniora..." (In Symb. Ap. ar 1).
Em relação a Deus todo homem é tardo de intelecto (Deus conhece tudo em um só ato) e, portanto, para aprender, precisa de muitas metáforas. Um intelecto elevado, de poucas coisas extrai muito conhecimento, mas os tardos precisam de muitos exemplos para entender:
"Deus enim per unum, quod est sua essentia, cognoscit omnia: homo autem ad diversa cognoscenda diversas similitudines requirit. qui etiam, quanto altioris fuerit intellectus, tanto ex paucioribus plura cognoscere potest: unde his qui sunt tardi intellectus, oportet exempla particularia adducere ad cognitionem de rebus sumendam". (CG II, 98, 12)
Os tardos se resistem a atinar com a realidade e dão interpretações grosseiras: a voz que glorifica Jesus no Evangelho é tomada pelos mais grosseiros por um trovão:
"Quidam erant grossioris et tardioris intellectus, quidam vero acutioris; (...) Desidiosi et carnales non perceperunt vocem ipsam nisi quantum ad sonum; et ideo dicebant tonitruum factum esse" (Super Ev. Ioh. cp 12 lc 5).
O nescius é o ignorante, com ignorância culpável ou não:
"Sicut autem Caiphas nescius dixit: oportet unum hominem mori pro populo, sic milites nescientes faciunt" (Cat. Aur. Mc cp 15 lc 3).
O crédulo é superficial no crer:
"Quod esse credulum in vitium sonat, quia designat superfluitatem in credendo, sicut esse bibulum superfluitatem in bibendo (De Ver. I, q. 14, a. 10, ad 6).
Interpretando o versículo de Mt 5 22: "Quem chamar seu irmão racha, será réu perante o Sinédrio", Tomás discute os possíveis significados de racha: segundo Jerônimo, racha indica o inanis, vacuus (que tem a cabeça vazia, oca, sem cérebro).
"Hieronymus. Vel racha hebraeum verbum est, et dicitur chenos, idest inanis aut vacuus, quem nos possumus vulgata iniuria absque cerebro nuncupare" (Cat. Aur. in Mt cp 5, lc 13).
Nem sempre o problema dos tolos é um problema de intelecto propriamente. Pois se o intelecto não é potência corpórea, no entanto necessita em sua operação das potências corporais como a imaginação, a memória e a cogitativa. E se as operações destas sofrem algum impedimento por parte do corpo não haverá bom funcionamento do intelecto.
"Sciendum est tamen quod, licet corpora caelestia directe intelligentiae nostrae causae esse non possint, aliquid tamen ad hoc operantur indirecte. Licet enim intellectus non sit virtus corporea, tamen in nobis operatio intellectus compleri non potest sine operatione virtutum corporearum, quae sunt imaginatio et vis memorativa et cogitativa, ut ex superioribus patet. Et inde est quod, impeditis harum virtutum operationibus propter aliquam corporis indispositionem, impeditur operatio intellectus: sicut patet in phreneticis et lethargicis, et aliis huiusmodi. et propter hoc etiam bonitas dispositionis corporis humani facit aptum ad bene intelligendum" (CG III, 84, 14).
Após esse percurso um tanto inquietante - esses vinte e tantos tipos de tolos continuam atuais... -, terminamos apresentando brevemente as indicações que Tomás dá dos remédios contra as tolices (próprias ou alheias). Primeiramente, deve-se recordar que dentre as obras de misericórdia, as mais importantes, as sete "esmolas espirituais", três guardam relação mais ou menos direta com nosso tema: suportar os chatos ("portare onerosos et graves"), ensinar a quem não sabe ("docere ignorantem") e dar bom conselho a quem precisa ("consulere dubitanti").
O remédio - quando há remédio... - é o proposto por Tomás: "As deficiências espirituais se socorrem com obras espirituais de dois modos. Um, pedindo auxílio a Deus e para isto existe a oração. (...) Contra as deficiências do intelecto especulativo, o remedio é o estudo, a doutrina; contra as deficiências do intelecto práctico: consilium, a deliberação e o conselho" (II-II, 32, 2).
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[1] . Para as buscas em hipertexto valemo-nos da edição eletrônica de Roberto Busa Thomae Aquinatis Opera Omnia cum hypertextibus in CD-ROM. Milano, Editoria Elettronica Editel, 1992.
[2] . "Secundum dicit, comparatus est jumentis. Bruta animalia operantur ex passione; et hoc patet, quia canis statim cum irascitur, clamat, equus cum concupiscit, hinnit; sed non imputatur eis, quia carent ratione. Si ergo homo statim cum concupiscit, sequitur passionem, et iratus percutit, comparatus est in agendo jumentis insipientibus: ps. 31: nolite fieri sicut equus et mulus etc." (In Ps. 48, 6).
[3] . "Ad primum ergo dicendum quod omnia corporalia obediunt pecuniae, quantum ad multitudinem stultorum, qui sola corporalia bona cognoscunt, quae pecunia acquiri possunt. Iudicium autem de bonis humanis non debet sumi a stultis, sed a sapientibus, sicut et iudicium de saporibus ab his qui habent gustum bene dispositum".